DIÁRIO DE UMA ESPERA!
Paciente: Joana D´Arc
Entrada no hospital: 21/06/93
horas: 14:00
Saída do hospital: 30/06/93 horas: 16:30
Diagnóstico: "O
MALDITO CÂNCER"
Apenas 10 dias de vida.... essas palavras martelavam a minha
cabeça o tempo todo.
Foi isso que me disse o médico , quando fui buscar Joana
D´arc no hospital.
Apenas dez dias de vida...Aquelas palavras soaram como uma
punhalada, perdi a noção de tempo e espaço, não queria acreditar e comecei a
cantar um mantra desesperadamente, então ouvi o médico dizer friamente :
Não adianta rezar, suas orações não vão adiantar de nada,
nem levando Joana para os EUA.
Pedi um copo d´água e fui para casa com minha
querida mãezinha.
Ali no quarto, sentada na poltrona, vigiava a pouca vida que
ainda lhe restava.
Então comecei a escrever "O Diário de uma Espera".
Primeiro dia: 30/06/1993
Tanto na dor quanto
na morte estamos sós.
A solidão é a agonia de quem sofre.
Meu Deus, como dói perder o ser amado.
Mulher...gera a vida e morre por esta mesma vida que gerou.
Somos nada diante da morte.
Chorões e indefesos é o que somos, perante a morte.
A morte é inevitável para quem vive. O difícil é aceitá-la!
Dizem que apenas o corpo morre que a alma é imortal, será
mesmo...?
Este mistério só será desvendado quando morrermos.
Joana dárc esta indo embora e não posso fazer nada para
detê-la, mais dia, menos dia, é fatal.
Será que existem milagres?
Será que a hora chegou?
Será que a dor é uma purificação?
E a reencarnação existe?
São tantas duvidas..............
Parece que o sofrimento é o sentimento mais profundo que
temos,
a dor é individual, ninguém sofre ou morre por nós.
O apego nos faz sofrer como cães danado.
Joana, você me deu a vida e se pudesse lhe daria a minha
vida!
Oh! Deus tenha misericórdia de minha mãe, não a deixe
sofrer, cure a sua doença ou leve-a para junto de vós.
Pai nosso que estais
no céu, santificado..... Amém!
Terceiro dia:03/07/1993
Sentada, esperando, esperando....
Esperando a morte do corpo chegar.
A morte do corpo do ser amado.
Sentada no sofá em frente a cama do moribundo... Ali
sentada, horas a fio, olhando, observando, esperando......
Observando os olhos da morte, olhos de horror, olhos de
sofrimento e dor.
E Deus, onde está?
Deus existe?
Aonde e quando?
Em nenhum lugar, só a dor existe.
Quanta maldade! o ser amado sofre tamanha dor que desfigura
até a alma e tenho que assistir toda esta dor até o fim.
Fim que nunca chega, dor que nunca acaba e eu aqui de
espectador sem poder fazer nada, absolutamente nada.
Se for purificação para chegar a Deus, então o ser amado já
está no céu, e eu aqui mutilada, seca, dura, amarga, triste e revoltada.
Krishna, Cristo, Deus se realmente existes, tenha
misericórdia do ser amado, cure-o, alivie a sua dor ou leve-o de uma vez.
É maldade demais deixa-lo sofrer dessa maneira....
Quarto dia:04/07/1993
Todos vem ver o moribundo, um por um adentra o quarto, é
aquele entra e sai o dia inteiro.
Um comenta: -
coitada, não consegue descansar.
Outro diz: - oh! mas você está muito bem,
E outro: - o pior já passou, e no fundo pensa, coitado está
morrendo.
Depois entram aqueles irmão da igreja querendo curar,
mandando o moribundo levantar, achando que vão realizar um milagre, coitada! se
ela pudesse falar...
O moribundo geme, chora e ainda é obrigado a rir um riso de
dor.
E as horas passam lentamente....
A maldita comendo por dentro, borbulhando, matando a cada
minuto.
O ser amado na esperança de viver, planeja o futuro.
Enterrado na cama, vivo dentro de um caixão... e a lua lá
fora cheia, amarela enorme e bendita..... lua linda, forte, traz a vida e a
morte.
Lua linda, lua bendita, quanto tempo mais?
Quanto tempo, um dia, um mês, um ano, um século?
Só Deus sabe, só Deus.....
e então só me resta a oração......
Pai nosso que estais no céu, santificado..... Amém!
Quinto dia:05/07/1993
A cada dia, a cada passo, a cada segundo, a cada dor, a cada
suspiro, a cada gemido, a cada hora...... Angustia, sofrimento, dor, solidão,
vazio e lágrimas.
Aprisionamento da alma, aprisionamento da alma no corpo, Aprisionamento da alma, do corpo e da mente.
Mundo cheio de misérias, vida cheia de alegria e dor.
A dor
corrói, fere e mutila a alma da gente....
Oitavo dia: 08/07/1993
Liberdade de um prisioneiro,
Liberdade de uma prisão,
Liberdade de uma alma,
Liberdade do corpo da prisão,
Liberdade da alma do corpo,
Liberdade do mundo material.
Prisão verdadeira é a prisão material, a alma liberta,
voa...voa.
Voa alto como um pássaro.
Liberdade, doce liberdade, liberdade da alma, sofrimento do
corpo, liberdade e prisão, alegria e tristeza.
Mais uma vez eu pergunto: existe Deus?
Existe! Acredite se puder.
Obrigada meu Deus pela libertação, obrigada pela dor, Obrigada pela doença, maldita doença que aniquila e faz sofrer, obrigada meu
Deus por essa purificação d'alma.
Perdão meu Deus, se não o compreendo, perdão pela revolta, Perdão pela falta de fé, perdão pelo desrespeito.
Por favor meu Deus, seja misericordioso, não a deixe sofrer, Cure-a ou a leve contigo.
Pai nosso que estais no céu, santificado..... Amém!
Ultimo Dia:21/07/1993
No dia 21 de julho de
1993 Joana D'arc minha mãezinha querida, foi embora e deixou de sofrer.
O dia 21 de julho
amanheceu diferente, eu me sentia triste, muito triste.
Acordei e fui direto ver Joana, minha mãezinha, ela estava
muito ruim naquela manhã, não falava mais, não abria mais os olhos
Então senti que deveria ir até a funerária.
Foi com o peito estourando de dor, que cheguei junto a ela e
disse bem baixinho ao seu ouvido: Mãezinha não lute mais, pare de sofrer, vá em
paz, não se preocupe com nada, vou dar uma saída mas volto logo.
Ela abriu os olhos, como a pedir que eu não saísse.
Fui até a funerária e resolvi o que tinha para resolver e
voltei para casa.
Não fui logo ver minha mãe, fui primeiro tomar um café, para
tomar coragem de ir vê-la novamente.
Nem tomei o café direito pois ouvi um chamado de minha mãe,
ela chamava i...i...i..., não conseguia mais me chamar pelo nome Iris.
Corri até ela, apertei sua mão.... era a despedida, ela me
chamou para se despedir, era o fim do sofrimento, ela me ouviu, ela resolveu
deixar este mundo, deixar de sofrer.
Não consegui ver a sua vida se extinguir até o final, não
pude suportar e desesperadamente larguei sua mão, chamei meu irmão para ficar
com ela e longe dali, longe daquele quarto onde passei horas de sofrimento, cai
de joelhos e chorei um pranto desesperado de dor e saudades....
Depois vocês já sabem, funeral e muita tristeza.
Quando voltei para casa fui direto para o quarto onde Joana
passou seus últimos dias,
Senti ali um forte cheiro, um cheiro quente, um cheiro que
jamais havia sentido.
Aquele cheiro era com certeza o cheiro da morte.
Nunca esquecerei aquele cheiro e espero nunca mais senti-lo.
Saímos do Rio de Janeiro com destino a Jaboticabal, interior
de São Paulo no dia 20 de junho, com a finalidade de tirar meu irmão da
cadeia.
Conseguimos!!
Parece que houve uma troca.
A vida da mãe pela liberdade do filho.
Ou será o contrário?
Posto aqui o relato de minha prima Madá, que sofreu junto comigo.
É Iris.... Sei tudo q passou durante esses 10 dias, pois
ali eu estava nos últimos momentos d tia Joana.
Nunca vou me esquecer daquelas ultimas hs d angustia.
Demos o banho, colocamos um vestido novo q vc havia
comprado, lindo! Cheio d florzinhas, para enfeitar uma flor.
Algumas horinhas depois começou a angustia da morte.
De fora do quarto dela havia um aparelhinho d som q
tocava musicas da sua religião(budismo),enquanto isso ela piorava.
Tulio começa a ler
o salmo 23, não consegue continuar,Lucia pega a bíblia tremula e continua , tia
se agarrou a mim,com muita força, Enfim Lucia termina o salmo, e tia dá um
suspiro, e um jato d vômito sai d sua boca, ela me aperta, ficando suas unhas em
meu peito e foi escorregando , escorregando , e....se....foi...
Então a deitamos, e veio o FIM..............
Nunca vou me esquecer desses momentos tristes e
dolorosos.... Desculpe Iris, fiquei c vontade d relatar esse fato. Bjs,